F-1 comemora domingo mil corridas desde
o inÁcio do primeiro Mundial em 1950
Por Wagner Gonzalez
Nascida aos 13 de maio de 1950, quando Giuseppe Farina venceu o primeiro GP de Fórmula 1, a categoria demorou onze anos para completar sua primeira centena de eventos, o GP da Alemanha de 1961, cujo domingo 6 de agosto viu vitorioso o inglês Stirling Moss. O progresso e o impacto que caracterizam a modalidade mais famosa do automobilismo conseguiram reduzir Á metade a distância que separa outras duas provas centenárias: a corrida de número 900 aconteceu dia 6 de abril de 2014, no Bahrein (vitória de Lewis Hamilton), praticamente cinco anos antes da prova que marca a milésima largada, O GP da China, que acontece domingo, em Shangai, na China.
Fangio (1) e Reg Parnell, preparam-se para alinhar na primiera fila do GP da Grã-Bretanha de 1950 (RetroF1)
Nesse tempo todo a categoria que os ingleses chamam de “pinnacle of motorsport†viveu fases melhores e outras nem tanto e consagrou tecnologias que ciclicamente foram superadas pela genialidade humana. O calendário inicialmente restrito Á Europa estendeu-se gradativamente para a Argentina e África do Sul e chegou ao México e aos Estados Unidos. Ironicamente, durante anos as 500 Milhas de Indianapolis valeram para a pontuação do Campeonato Mundial. Poucos “yankees†cruzaram essa ponte para fazer carreira na categoria em parque de diversões controlado pela aristocracia européia e que abrigava representantes da realeza ou desbravadores bancados por governos em busca de notoriedade.
Juan Manuel Fangio, aqui visto em um Nürburgring a bordo de uma Maserati 250-F, teve apoio de Juan Perón (F1.com)
Os circuitos eram inicialmente montados em ruas ou estradas e os poucos circuitos permanentes usavam instalações militares ou aeroportos; a única excão era Monza. O aumento da velocidade dos carros, principalmente nas curvas, demandou instalações mais seguras onde a cobrança de ingressos ajudava a garantir o “cachet†de pilotos e equipes. Com o tempo as exigências tornaram-se cada vez maiores e são poucas as pistas que sobrevivem a infinitas mutações. A única parada que segue fiel Á s origens de pistas de rua é a etapa de MÁ´naco; Baku, no Azerbaijão, é exemplo do recrudescimento de corridas criadas por interesses puramente polÁticos.
Colin Chapman, criador da marca Lotus, foi um dos grandes inovadores da categoria (Red Bull)
Tecnicamente os carros evoluÁram muito desde aquele amontoado de tubos soldados em armações extremamente complicadas e carrocerias feitas de metal. Pouco a pouco passou-se a revestir essa estrutura até dispensar os canos e adotou-se a fibra de vidro para cobrir suspensões e radiadores. Com a chegada da fibra de carbono e o uso de materiais compósitos a estrutura dos monopostos ganhou o status de carroceria tão aerodinâmica que os carros se tornaram cada vez mais parecidos. A técnica de explorar o movimento do ar em torno do monoposto é atualmente um dos itens mais caros no orçamento das equipes e responsável por uma infinidade de penduricalhos e recortes ao longo da estrutura do carro.
Projetado em 1947, o BRM de motor 1,5 V-16 disputou competições até 1955 (BRM Tony Matthews)
A capacidade, o sistema de alimentação e o formato dos motores também mudou ao sabor dos ventos e do padrão econÁ´mico. Fórmulas diferentes foram usadas para equiparar o desempenho de motores equipados com compressores, turbo alimentadores e carburadores, que a partir dos anos 1960 foram inexoravelmente substituÁdos por sistema de injeção cada vez mais sofisticados. O combustÁvel que queima dentro dessas máquinas térmicas já foi álcool, querosene de aviação e gasolina, recurso fóssil que nos últimos anos começou a dividir seu poder absoluto com recuperadores de energia, recurso que atualmente garante cerca de 20% da potência absoluta de máquinas capazes de gerar 1.000 cv. Atualmente exige-se gasolina em conformidade com o produto vendido nos postos de reabastecimento europeus.
Nos anos 1970 a Renault trouxe turbo de volta, então um motor 1,5 (Renault)
Na esperança de contribuir para o desenvolvimento de motores cada vez mais eficientes várias propostas foram arriscadas, tais como a limitação do volume do tanque de combustÁvel até a solução atual, que criou o termo “unidade de potênciaâ€, ou simplesmente “PUâ€. Isso inclui um motor V6 de 1.600 cm3e seus os MGU-H e MGU-K, recuperadores de energia alimentados pelos gases quentes e pelo movimento do turbo-alimentador, respectivamente. Já faz tempo o motor deixou de ser algo instalado no chassi para fazer parte do automóvel que, por causa disso ganhou o nome de “estrutura autoportanteâ€.
Estudo da Renault ilustra como poderão ser os F-1 dentro de duas décadas (Renault)
A energia produzida por esses dois sistemas chega a equivaler a 30% dos cerca de 750 cv produzidos pela “ICEâ€, sigla em inglês para “Motor de Combustão Internaâ€, ou simplesmente motor, como isso é chamado há muitas gerações. A força gerada pelos KERs é armazenada em baterias e usada estrategicamente a cada volta de forma controlada pela equipe e pelo piloto. A capacidade máxima permitida de combustÁvel a bordo é, atualmente, de 107 kg e o sistema elétrico não pode ultrapassar o Ándice de 1.000 volts; recentemente um construtor passou a injetar óleo na mistura na esperança de aumentar a potência. Essa e outras artimanhas foram proibidas, como pistões ovalados construÁdos em cerâmica, algo tentado nos anos 1990.
A unidade de potência de F-1 atual: motor de combustão interna e recuperadores de energia (Honda)
Tal qual as “unidades de potência†o câmbio também evoluiu e sofreu restrições: atualmente cada piloto pode usar três unidades a cada temporada – são quatro PUs -, e já não se pode mudar as relações das oito marchas obrigatórias; uma caixa de câmbio deve ser usada por seis corridas consecutivas. Ironicamente, o sistema CVT (transmissão de variação contÁnua bastante comum em carros de rua atuais) foi desenvolvido por uma equipe, mas foi proibido antes de estrear em uma corrida, algo semelhante Á suspensão ativa, parafernália que mantinha o carro e uma altura constante em relação ao solo e permitia explorar a aerodinâmica de forma intensa e que foi equipamento largamente usada.
Proibições são uma constante na história da F-1, como as dimensões e o formato da banda de rodagem dos pneus de aro 13â€, que em breve serão substituÁdos por outros de aro 18†e perfil mais baixo. Certamente com essa mudança virão limitações para as dimensões dos discos de freio, atualmente construÁdos em carbono, tecnologia herdada do já aposentado supersÁ´nico franco-britânico Concorde. Ironicamente, o sistema de fixação da roda ao cubo voltou a ser o que era, único, mas uma porca normal, sextavada, em vez da antiga tipo borboleta que era apertada e solta a boas marretadas.
Nos primeiros F-1 os motores de dimensões paquidérmicas eram instalados na dianteira e os seus heroicos cavaleiros literalmente sentavam-se em bancos de couro instalados em cima do eixo traseiro em uma abertura por onde se podia ver até o movimento de suas pernas. Esses pilotos vestiam como proteção camisa polo, luvas e capacete de couro que protegiam apenas metade de mãos e cabeça. Quando se passou a usar macacões eventualmente via-se um piloto usando camisa social e gravata-borboleta, como o inglês Mike Hawthorn.
Nos anos 1960 as posições de motor e piloto foram invertidas; instalado na traseira e piloto na dianteira, respectivamente. os motores tornaram-se menores e mais leves enquanto os pilotos iam praticamente deitados em uma banheira de combustÁvel: o tanque era instalado no centro do chassi, que ficou ainda mais gordo ao receber os radiadores de água e óleo, outrora instalados no bico. O pouco que se via deles era através de um para-brisa de policarbonato.
Emerson Fittipaldi: primeiro brasileiro a vencer um GP oficial, o dos Estados Unidos de 1970 (Lotus)
Alguns acidentes graves ditaram a necessidade de estruturas mais sólidas e paramentos que garantissem maior proteção. Assim os santantonios inexistentes na década de 1950 deixaram de ser mera formalidade para se transformar em verdadeiras células de sobrevivência que incluem o “haloâ€, um arco de titânio semelhantes Á s tiras de uma sandália havaiana,que mitiga as chances de objetos e outros automóveis atingiram o capacete do piloto. Ali dentro ele vai sentado em uma posição esdrúxula onde suas pernas ficam mais altas que a base do assento; o volante em formato oval, é repleto de luzes de alerta e controles e incorpora borboletas para troca de marcha e outra para acionar a embreagem, cujo pedal desapareceu.
O construtor inglês John Cooper inovou ao construir o primeiro chassi com motor traseiro (John Cooper Heritage)
As calças de sarja e as camisas de algodão agora sequer fazem parte da bagagem do piloto: todos usam roupas sociais especialmente confeccionadas para divulgar os patrocinadores que pagam salários e desenvolvimento de tecnologia. Quando a bordo desses “bólidos†– raro nome que resiste Á passagem de tempo -, esses homens são protegidos por calçados, meias, roupa de baixo e macacão Á prova de fogo e luvas que podem informar suas funções vitais em caso de acidente. As poucas mulheres que chegaram Á F-1 não consolidaram a conquista, barreira que poderá acontecer muito antes de se chegar antes da próxima centena de GPs e, com rara certeza neste mundo, muito antes do segundo milhar de largadas.
Daniel Ricciardo em ação na China, em 2018. Pista de Shangai recebe o milésimo GP da história (Red Bull)
Os vencedores centenários:
GP 100: Alemanha (Nürburgring, 6/8/1961):Â Stirling Moss (Lotus);
GP 200: MÁ´naco (Monte Carlo, 23/5/1971): Jackie Stewart (Tyrrell);
GP 300: África do Sul (Kyalami, 4/3/1978): Ronnie Peterson (Lotus);
GP 400: Áustria (Á–sterreichring, 19/8/1984): Niki Lauda (McLaren);
GP 500: Austrália (Adelaide, 4/11/1990): Nelson Piquet (Benetton);
GP 600: Argentina (Buenos Aires, 13/4/1997):Â Â Jacques Villeneuve (Williams);
GP 700: Brasil (Interlagos, 6/4/2003):Â Giancarlo Fisichella (Jordan);
GP 800: Cingapura (Marina Bay, 28/9/2008):Â Fernando Alonso (Renault);
GP 900: Bahrein (Sakhir, 6/4/2014): Â Lewis Hamilton (Mercedes)